sábado, 5 de setembro de 2009

Caleidoscópio de memórias


Em uma iniciativa quase solitária de resgatar a memória de Arcos, o aposentado Enéias Cunha junta a paixão de colecionar objetos diversos com a tentativa de recolher sua própria história e de seu lugar

Por Priscila Borges
8 período de Jornalismo


Numa casa de dois andares, uma rural na garagem denuncia a paixão do morador por objetos antigos. A casa fica na região mais antiga de Arcos, perto da Igreja Matriz, onde resistem ainda alguns casarões dos primeiros habitantes da Princesa do Calcário. Ali, à primeira vista, parece ser só mais uma casa da cidade que vê seu desenvolvimento aliado à industrialização e ao comércio. Mas não é. No sótão, uma quantidade inimaginável de objetos diversos, das mais variadas origens, conta um pouco da vida do aposentado Enéias Antônio da Cunha.

Aliás, não só da vida dele. Num esforço que dura mais de 40 anos, o técnico em telecomunicações apaixonado pelo rádio e avesso às novas tecnologias tenta resgatar um pouco da história arcoense montando o único "museu" ativo do município. “Nesta cidade, ninguém dá apoio para o passado. Uma vez, a Secretaria de Educação tentou fazer um tombamento e nem vieram aqui. Arcos não tem memória”, sentencia o colecionador, que tenta compartilhar seu acervo abrindo as portas da casa para estudantes ou alguém curioso pelas origens da cidade.

Prova do descaso com o passado está em um dos “resgates” feito por Enéias. Em um passeio, encontrou no lixo da casa de um funcionário público uma série de filmes em película sobre a história da cidade. Entre eles, um vídeo institucional de 1980 chamado “Pelas Trilhas de Arcos” que, pelo medo de que a projeção estragasse com o tempo, mandou remasterizar em DVD. Mas Enéias não gosta de assistir a cópia, que mostra o calcário de Arcos caminhando pelos trilhos do trem de ferro. Prefere assistir a projeção no escuro e fechar as janelas do sótão, encaixando cuidadosamente o filme no projetor, que também foi encontrado no lixo.

A paixão pela história da cidade onde nasceu vem de berço, literalmente. A coleção começou com o pai de Enéias, Deusdedit Leão, e se ampliou com a ajuda de diversas famílias da cidade, que doaram boa parte do acervo de objetos que remontam ao passado do município. Em uma parede, isqueiros, tinteiros, estribos e tesouras feitos artesanalmente. Ali também convivem disco de vinil que relembram o amor do colecionador pela música: de Mutantes à Ray Conniff ou de Renato e seus Blue Caps ao LP da primeira temporada do Sítio do Picapau Amarelo.

E se engana quem acha que os LP`s ficam mofados dentro das embalagens. O som parece ser um dos maiores motivadores da coleção do aposentado. Detalhes que revelam o correr do tempos: desde a vitrola de 1925 ao modernoso toca-discos laranja de 1965 ou ao inusitado rádio em formato de Kinder Ovo, lançado como brinde promocional, todos em perfeito estado de funcionamento


Miscelânea

O museu parece, aos olhos de um visitante desatento, só um amontoado de objetos diversos. Porém, lado a lado com o resgate da memória arcoense vive a paixão de guardar de tudo um pouco. Uma propaganda de 1950 da extinta loja Casas Garcia, uma das primeiras de Arcos, um recorte do jornal Correio Centro-Oeste. Fotos do pai e de outros personagens do município, como Tião Vassoura ou Tio Neca. Uma colherzinha de prata dada como lembrança pelo nascimento de uma das filhas da ex-prefeita de Arcos, Hilda Borges.

Uma pin-up que anuncia as pilhas Rayovac, em uma propaganda de 1965. Velhas revistas, almanaques de moças, gravadores antigos. Maquinas fotográficas Kapsa , rodas de fiar. Relógios antigos e uma coleção de ovos, isso mesmo, ovos. Incluindo um ovo de galinha em formato de cabaça.

Nesta miscelânea de objetos, uma pasta guarda uma preciosidade: todo o acervo do jornal A Voz de Arcos, o segundo que existiu na cidade e que durou de 1936 a 1948. As páginas amareladas do jornal editado pelo pai de Enéias , junto a todos os objetos do museu, provocam no aposentado a reflexão sobre a velocidade e o consumo de nossa época.

“Antigamente, para fazer uma matéria era complicado. Tinha que filmar, mandar até para os Estados Unidos e a gente ficava sabendo das coisas até dois meses depois. As pessoas faziam muita coisa na mão, um tecido demorava meses para ficar pronto. Hoje, a matéria entra no ar praticamente no mesmo segundo. Hoje se faz um telefone e num instante se joga fora”.

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